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Escreva

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Quando se escreve, às vezes é preciso abrir mão de tudo e simplesmente ordenar-se: - escreva! Comida no forno, trabalho por fazer, hora de dormir, o que seja; o maior pecado do escritor é resistir ao imperioso chamado da pena. Mas escrever sobre o quê, ele logo se pergunta. Parece que o ato de escrever sempre tem de ter um porquê e um sobre o quê, além dos execráveis e dolorosos como e com que fim (nos dois sentidos da palavra "fim"). O próprio impulso da escrita é tão voraz e inacessível que por vezes se torna impossível pausar-lhe, fazer-lhe qualquer dessas perguntas; o máximo que se consegue é seguir-lhe o rastro, no ritmo sempre atrasado do lápis sobre o papel, da luta retardada entre a coordenação da mão e a do pensamento. "Lutar com as palavras é a luta mais vã", já dizia o nosso nobre guerreiro (e vencedor) Carlos Drummond de Andrade. O guerreiro da palavra é talvez o menos nobre e mais ensanguentado, pois sua arma fere não só os outros, mas ele mesmo, enquan...

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

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Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança: Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança: Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem (se algum houve) as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E em mim converte em choro o doce canto. E afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto, Que não se muda já como soía. Luís Vaz de Camões, em "Sonetos"

Leitura póstuma dos poetas sempre vivos

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Assombra-me um arrepio Ao ouvir dos versos a música, Neste sarau tardio, A soar sua beleza súbita Opera-se mágica tal Quando se encontram palavra e voz Que subleva-se calor irreal Entre os poetas lidos e nós Homenagem tão grande é esta leitura Que não podemos adivinhar-lhe a glória De revelar a mais perpétua das honras A qual dá-se, em secreto, nesta hora Pois não habita em um nome Pomposo, em ouro, num livro a luzir Mas apenas na alma de um homem Que, ao ler o poema, pôde sorrir...

nem sempre fala-se de amor

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Vai, amor Pra toda a vida Não olhes pra trás Na hora da partida Não me mande lembrança Nem carta amorosa Vivias num perfeito mar-de-rosas Te dei carinho Dei um lar O que pude enfim Não sei porque procedeste assim Agora é tarde para me pedir perdão Eu sigo a ordem Dada por meu coração Eu sei que andava fora da realidade Graças a Deus decidi Sem ter remorso, nem saudade Não chore, por favor Porque um bom perdedor não chora Reconhece a derrota Se dirige a porta Abre, diz adeus E vai-se embora Clara Nunes, a eterna morena de Angola

Imagine

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Imagine que não há céu ou inferno nos aguardando Somente imagine, por um momento Que não há julgamento Porque o ser está sempre mudando... Imagine que a vida é linda Que é sempre assim, colorida Que as palavras são vivas Que se pode viver de amor e palavra Porque o ser está sempre mudando... Imagine que somos livres Que podemos dizer o que sentimos Que podemos sentir o que queremos Que somos donos do nosso coração Porque o ser está sempre mudando... Imagine, somente imagine O que você pode ser amanhã O que você pode ser hoje O que todos podíamos ser Porque o ser está sempre, sempre mudando...
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Tu não mereces que eu escreva Tanta coisa pensando em ti Nem mesmo ignorando-o por completo Não mereces que eu escreva para ti Outro destino para as palavras, porém, Não encontro eu, enfim, E acabo voltando ao mesmo tema: O eterno retorno do sem-fim. Vejo, contudo, para ledo meu, Que tu não és tu assim! Tu és tu, és ele, és muitos Que me amaram antes e depois de ti! És pessoa, objeto, lugar És primavera, outono e verão És presente, passado e futuro Veja só! És tu, o amor! São Luís, 17/05/10
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Meus olhos só podiam ser castanhos Pois sou eu toda tão castanha, Tão comum E ao mesmo tempo, tão estranha Que outra cor, ao me fitarem, Não poderiam encontrar Senão a mais comum de todas Porém profunda e forte Como um sulco na mais antiga árvore De tronco retorcido.