Suba a minha oração perante a vossa face como incenso, e as minhas mãos levantadas sejam como o sacrifício da tarde. {Salmos 141:2}

sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Minhas mãos cheiram a tempero

   

    Diz o ditado que sempre fica um pouco de perfume nas mãos de quem oferece flores. Nas mãos de quem é mãe, isso se torna bem concreto, pois passamos o dia com o aroma do tempero que usamos na comida da família exalando em nossos dedos. E tudo o que tocamos durante o dia carrega esse rastro de carinho, de uma oferenda de amor que foi feita logo cedo para que todos fossem nutridos.

    Quem nos encontra na rua não sabe que nossas mãos cheiram a tempero; não sabem que em casa há um serzinho nos esperando, que depende de nós. Mas nós sabemos, sabemos que nossas mãos cheiram a alho, a cebola, a cuidado, a amor. Por isso, ganhamos mais força de correr atrás, lá fora, para que fiquemos ainda mais bem alimentados aqui dentro. 

    Que o nosso alimento de cada dia seja temperado com dedicação, zelo e boa vontade.



terça-feira, 21 de julho de 2020

Casas de Alcântara

Nas casas de Alcântara
Repousam mistérios
Que nem em séculos
Se poderiam conhecer

Que terá sido este prédio?
Que terá visto essa ruína?
A nossa alma rumina
Imagina, em meio ao tédio




Al qantarah, ponte cristalina
Cântaro de fantasia
Portal entre o ser e o não ser
Inebriado de maresia

Nas casas pequenas, multicoloridas
Dançam fantasmas do passado
Lágrimas, açoites e martírios
Casa grande e senzala, lado a lado

Ressoam tambores de assombros etéreos
Caçoam as almas dos sonhos de eterno...


~Renata Ribeiro~

sábado, 18 de abril de 2020

O nosso olhar "caducou"

Uma amiga me mandou aquele vídeo que tem circulado na internet, do psicoterapeuta Leo Fraiman falando sobre como a nossa sociedade "caducou" e  de como as necessidades de afeto que estavam "gritando" sob a forma de depressão, ansiedade e suicídios estão vindo à tona agora, dentro de cada lar. A fala dele fez pensar não só a mim, mas a muita gente, dadas as expressões faciais das pessoas presentes no programa e o número de compartilhamentos. 

Fez pensar sobre como as relações têm sido terceirizadas, protocoladas, deixadas para depois. Sobre como a nossa capacidade de conviver tem diminuído. Sobre como a tecnologia tem tomado o espaço do real. Nada disso é novidade, mas ganhou uma proporção tão grande e insuportável que fomos obrigados a ver "o elefante na sala". A ver que temos uma sala a ser preenchida por pessoas. Uma sala de estar. De estar presente com pessoas. Redundância? Ao que parece, a ênfase nos significados das palavras se tornou necessária. Das palavras e dos números.

Como destacou o psicólogo, vivemos uma época de espiritualidade e cultura pouco incentivadas. Isso se reflete na falta de sensibilidade com os significados humanos. Na minha pesquisa, lido com o modo como as pessoas se comunicavam no século XIX - por cartas - e vejo o quanto perdemos em riqueza de comunicação com as facilidades atuais. As missivas exigiam um momento de pausa, de foco no destinatário, nos pontos que ele havia destacado de sua vida no correio anterior. Requeriam, ainda, um exame de si mesmo, uma seleção dos fatos e sentimentos que seriam compartilhados da melhor forma possível. Todo esse processo mobilizava a atenção que nos tem faltado. Estamos sempre divididos, "multi-atarefados", distraídos. Não sabemos mais conversar com uma pessoa só, pois falamos com uma face a face e com outras pelo celular. E, assim, os fatos da vida das pessoas, as suas "fotos de família" de outrora, passam a ser só mais uma informação no seu feed, só algo que você já saberá ou já terá esquecido quando essa pessoa vier lhe contar - se tiver oportunidade.

Foi preciso uma pandemia para nos trazer de volta o foco para a nossa casa, para os nossos, para o que realmente importa: o mundo aqui dentro, mais do que o mundo lá fora. Talvez estivesse na hora de enfrentar alguns conflitos necessários, de aparar certas arestas que se arrastavam de longa data, tanto entre familiares quanto dentro de nós mesmos. Com o mundo de dentro em ordem, haverá mais chance de trazer alguma ordem ao caos do mundo lá fora. Que o nosso curtir, comentar, compartilhar ganhe significado concreto, pois em muitos casos o distanciamento não foi provocado pela doença, já era fruto da nossa própria rotina. Vamos ter fé de que o nosso foco vai se reajustar e que teremos a chance de ver, sentir e agir de forma diferente. De ler um texto deste tamanho e de traduzir em palavras "desautomatizadas" algo que tenha nos tocado. De realmente "não ser um robô".



sexta-feira, 3 de abril de 2020

Naquele jardim secreto





















Naquele jardim secreto
Onde éramos só tu e eu
Ali eu quisera encontrar-te
Ali eu quisera ouvir-te

Continuamente te esperava
No silêncio das manhãs
No romper da alva
Eram esperanças vãs
Pois ali não entravas

Eu quisera tantas vezes
Preencher-te de palavras
Continha-me com dizeres
Nos dias que mal rezavas

Nas tempestades e tormentas
Ali nunca te abrigavas
Como se te esquecesses
Por teus caminhos erravas

E quando tudo restou vazio
Eu ainda estava ali
Foi quando raio luzidio
Encontrou espaço em ti

Pétalas foram, pouco a pouco,
Se abrindo em teu coração,
A todo o passado mudo e mouco,
Dando ouvidos só à razão

Bétulas, flores, tudo em torno
Ajustava-se à criação
E logo já eras jardim de novo
Canal de luz e irradiação

Assim tens sido jardim regado
Meu rio de vida passa por ti
A tua sede tens saciado
E tu a outros sacias por mim

Agora sabes que o jardim secreto
Onde somos só tu e eu
É onde habito-te por completo
Onde já não te busco, te sou.

Renata Ribeiro

segunda-feira, 11 de março de 2019

a vida pede para abrandar

As pessoas hoje querem fazer tudo.
Casar, ter filhos, fazer graduação, mestrado, doutorado, trabalhar, cuidar do corpo, se divertir, ter uma religião, tudo ao mesmo tempo. Eu, de certa forma, me incluo.
Mas estou percebendo que a vida pede para abrandar.

A natureza não segue esse ritmo frenético da modernidade, nem nunca irá seguir. A semente cai em terra fértil e requer tempo e condições para brotar. A árvore não fica frondosa em um dia, nem em dois, mas em meses e anos. Os frutos não dão em todo o tempo, mas somente na estação propícia.

Nós somos parte da natureza, por mais que a vida urbana nos faça crer que não. Um bebê não cai em nosso colo do nada; é fruto de um encontro com outra pessoa, de todo um desenvolvimento celular, depois corporal da mãe e do feto, até que, após cerca de nove meses de muita espera e sacrifício (principalmente na hora do parto), o neném chega a nossos braços.

Este é um dos poucos momentos que a mulher moderna ainda aceita esperar, e só porque a ciência ainda não permitiu o contrário. De resto, queremos tudo para ontem: diploma, emprego, relacionamento, saúde, bens E onde será que vamos parar com tudo isso? Onde fica a nossa vocação no meio desse redemoinho todo?

Sim, cada vez mais sinto que temos uma vocação. Cada mulher deve ter a sua, bastante particular; cada pessoa, aliás, sendo homem ou mulher. Mas o ser feminino está intimamente ligado à criação, à geração da vida. Isso é inegável, mas tem sido reiteradamente negado pela sociedade, de inúmeras formas. Se foram conquistados espaços e possibilidades para a mulher, também lhe foram tolhidas certas características essenciais, como o dom de cuidar, a delicadeza, a gentileza, a paciência. Isso vai se perdendo no dia a dia do trabalho, na correria.

Não estou querendo dizer que as mulheres que trabalham não sabem mais cuidar e são grosseiras e impacientes, absolutamente. Há donas de casa que são assim. O que vejo é que muitas mulheres que trabalham fora vivem um dilema, pois gostariam de estar mais presentes em casa e de ter mais calma no cotidiano para dar atenção aos seus, à sua casa e a si mesmas e não podem, por conta de uma rotina alucinada.

Vejo que esse ativismo está matando as pessoas, causando frustração, depressão, sobrepeso, hipertensão. No caso das mulheres, isso se agrava pelo fato de elas terem múltiplas funções. Quando têm filhos, por exemplo, o pai pode até estar presente e fazer muitas coisas, mas há outras que somente a mãe pode fazer, como amamentar, dar aquele colo especial, sei lá... É difícil de explicar o sentimento que só uma mãe causa em seus filhos, porque é algo muito profundo, umbilical.

Não quero esse ativismo pra mim. Essa ânsia por mais dinheiro, status, poder. Só quero não passar necessidade, nem situações constrangedoras ou perigosas por falta de dinheiro. Quero paz; hora para trabalhar e hora para descansar; ócio criativo; qualidade de tempo; tempo, enfim. E a liberdade de poder viver a minha essência feminina da maneira que acredito.