Suba a minha oração perante a vossa face como incenso, e as minhas mãos levantadas sejam como o sacrifício da tarde. {Salmos 141:2}

sábado, 15 de agosto de 2009

a um amigo;



Com magníficos disfarces

Arrebatou-me a alma

Ruborizou-me as faces

Leu pra mim, enigmático

Os claros sonhos, realces,

Sóis entre os soltos cachos

Magnânimo como um sábio

Alongam-se os seus mistérios

Guardando a fé singela,

Nordestina; por etéreos

Oclinhos, janelas do (seu) mundo.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Ele & Ela

Tudo o que ele queria
Era alguém pra partilhar um livro
Um pensamento, um comentário
Uma garrafa de café
Mas tudo chegou a um nível
Em que cada um representa
Apenas aquilo que é

Tudo o que ela queria
Era alguém que fosse gentil
Um afago, um argumento
A favor, um ser de paz
Mas tudo chegou a um nível
Em que cada coisa está
Simples e exatamente
Onde deveria estar

Tudo o que eles queriam
Era amar a si mesmos no outro
Uma expectativa, uma cobrança
Um sonho, uma lembrança
Mas tudo chegou a um nível
Em que cada um representa
O que não é, onde não deveria estar.

a flor do caminho



Entre várzeas e riachinhos
Entre as pedras do caminho
Havia uma flor.
Pequenina, era quase invisível
Aos humanos, aos animais, às plantas
E a qualquer ser menos sensível

Mas ela estava ali
E o anil celeste pintava suas pétalas
Retocando-a com nanquim
Seu botão, este era grande
Branquinho qual ninguém pintou
E seguia a vida, se sustentando
Num talo sem espinhos de dor

Havia, porém, nessa flor
Algo deveras especial
Algo revelador
Que entre o universo e ela se dava
Apenas
E seu contato era mesmo encantador:

Quando chovia na cidade
Nas entranhas de seu caule
Ela sentia
..................as lágrimas da humanidade
Se fazia sol na terra
Observando os seus
Ela sentia
.................o cálido adeus
..................em que tudo se encerra

Quando as folhas cobriam o chão
Ainda que rodeada e aquecida
Ela sentia
................a dura pena da solidão

E se os pássaros e outros entes
Vinham fazer-lhe companhia
Ela sentia
...............ser por ocasião das sementes
................e frutos que enchiam a pradaria

Mas a florzinha cresceu
E virou lírio, e virou jasim,
Virou rosa, cravo e, de novo, lírio
Ainda que pra você e pra mim
Não fizesse o menor sentido

E cresceu, todos podiam ver
O universo mesmo dera-lhe meios
Para aos seus tropeços sobreviver
E com essa unidade complexa
Às vezes coesa, outras desconexa
É que ela se fez flor
Se fez riso, luz, canção
E se eternizou.




terça-feira, 14 de julho de 2009


Ontem rasguei o cartão que nunca te dei
E com ele as ilusões e a mágoa que me causaste
Meu anseio é que nada fique... !
... Em mim, tudo se perca no espaço!
Até mesmo o abraço, até mesmo o amor
Até mesmo a dor, até das lembranças me desfaço

Para que reste apenas a consciência
De que ainda estou aqui - viva, vida
E sou feliz.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Aula de Produção Textual em Conserva

A aula de Produção Textual
Virou o treinamento
de uma linha de produção
Onde está a palavra, a paixão?
Mero complemento
Devaneio intelectual

Três linhas de introdução
Já está de bom grado
Desenvolva o argumento 1, 2 e 3
Se tiver freguês, faça a conclusão
Do seu texto pré-formatado
Do seu texto que já veio enlatado

Tem até o abre-fácil
Aquele prefácio congelado
de palavras importadas
Só tome o cuidado
de agitar antes de usá-las

E enquanto a Palavra não vem
Vamos fazendo nossos textos em conserva
Até que todos os poetas sejam loucos
Na sua contemplação eterna...

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Os pais - Gilberto Gil

Os pais, os pais
Estão preocupados demais
Com medo que seus filhos caiam nas mãos dos narco-marginais!
Ou então na mão dos molestadores sexuais
E no entanto ao mesmo tempo são a favor das liberdades atuais!

Por isso não acham nada demais
Na semi-nudez de todos os carnavais
E na beleza estonteante e tão natural
Da moça que expressa no andar provocante
A força ondulante da sua moral
Amor flutuante acima do bem e do mal

Os pais, os pais
Estão preocupados demais
Com medo que seus filhos caiam nas mãos dos narco-marginais!
Ou então na mão dos molestadores sexuais
E no entanto ao mesmo tempo são a favor das liberdades atuais!

Por isso não podem fugir do problema
Maior liberdade ou maior repressão
Dilema central dessa tal de civilização
Aqui no Brasil sob o sol de Ipanema
Na tela do cinema transcendental
Mantem-se a moral por um fio
Um fio dental!

sábado, 25 de abril de 2009

Será você?



Será você?
Que vai ler meus gestos
Até mesmo os mais funestos
E ainda vai gostar de mim?

Será você...?
Que vai me ver em suas cores
Aguentar as nossas dores
Me completar e fazer rir?

Que vai ver além dos meus óculos
Que verá a real cor dos meus olhos
Refletidos nos teus?

Que vai me tirar de trás dos meus livros
Que vai me trazer de volta ao perigo
De confiar meu coração?

Será você? Serei eu? Seremos nós?
Nós trazemos os contras
A vida, os prós
Só espero que, no fim, não fiquemos sós...

terça-feira, 21 de abril de 2009

Eu - Florbela Espanca


Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

quarta-feira, 8 de abril de 2009


Há dias em que eu me canso
de mim mesma
Me canso de ser eu
Parece que em meu corpo
Não mais cabe minh'alma
Ela se aperta, se ajeita
Até encontrar um meio incômodo
De parecer feliz

Há dias em que eu queria
Engolir o sol
Pra que ele não me queimasse
Com seu olhar vigilante
Nem me ofuscasse
Com tanta luz
Quando eu prefiro a escuridão

Há dias em que simplesmente
Não caibo em mim
Aí descubro, enfim
Que a poesia alargou-me o ser
E que esta perturbação
É a penitência dos filósofos
É a santificação dos poetas.

sábado, 4 de abril de 2009

Com licença poética - Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta,
anunciou:vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Poeta, poeta, não podes







Desarrumar as terras do mundo.
Poeta, podes fazer.
Arrumar sem limites de pátria!
Poeta, podes fazer.
Derramar azeite no mar,
plantar flores no topo dos montes,
plantar trigo nos vales do mundo.
Poeta, podes fazer.
Abrandar os tufões dos espaços,
acabar com os tiranos do mundo.
Poeta, podes fazer.
Extinguir a palavra de Deus.
afastar a Verdade da Terra.
Poeta não podes fazer.




Jorge de Lima

domingo, 22 de fevereiro de 2009

momento "prosaico" ; )


. ele teve vontade de ligar... Discou os quatro primeiros números e, após refletir um momento, recolocou o telefone no gancho. "Em castelos de cartas é melhor não tocar, muito menos realizar movimentos bruscos quando deles se está muito perto", ele deve ter pensado. Ela também sabia o que isso significava. O que fazer com o que estava querendo dizer? E o que era, afinal? Nem ele, nem ela saberiam explicar. Talvez fosse apenas o impulso de voltar aos velhos hábitos...


O telefone toca.


- Alô? Não, você ligou errado. Não, não mora aqui. De nada.


Algo toca suavemente a sua pele. É a cortina, que acaricia o solitário da noite e tenta aquecê-lo da corrente de ar frio que entra pela janela. Inútil: o solitário tem uma inclinação pela noite, pelo frio, pela melancolia. Aproxima-se, então, da fonte de vento, senta-se, abre os braços...
O que ele está fazendo? Parece desequilibrado... Será que...?


Se há realmente identificação entre os elementos da natureza e nós, seres humanos, o vento é o que mais se aproxima de minha essência. Sinto-me no vento, enrolo-me, envolvo-me e, ao fim, me perco, procurando entender de onde parti. Não me vejo como sou, consigo apenas sentir-me; assim como o vento é para nós. Meu eu é fluido, fugidio, fragmenta-se e volta a si como moléculas, adentra outros eus e traz consigo marcas indeléveis de sentimentos, imagens e cores. Muitas cores. Sobretudo as cores frias... Estas agradam-se sobremaneira. Por essa razão, a única coisa que amo no dia é o azul do céu... A noite, por sua vez, pintada de azul escuro, de preto, lilás, roxo, torna-se, paradoxalmente, a alegria do meu dia, e desperta em mim a disposição necessária para os projetos mais complexos e inescrupulosos.


Ele desceu do parapeito da janela. Agora está pensando... O que será que o perturba tanto? Eu gostaria de poder ler seus pensamentos. Gostaria que ele me olhasse... Oh, não! É melhor eu continuar aqui, de onde fico invisível... O momento certo chegará, eu sinto.


[ continua ]

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Um dia


Um dia, então, descobrimos

Que o tempo passou

E o que ficou

Foi alguém mais forte

Mais seguro. Mais completo.


Que valeu a pena

Passar pelo vale

Para chegar

Ao pico do monte


Abrir os braços,

Sentir o Sol, o vento,

O horizonte

Sentir que estamos prontos

Para o que vier.


Estaremos firmes.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009



Uma janela se abrindo
Um raio de sol
Cheiro de flores
- Passou.

Um abrir de asas
Um sair de fininho
Emoção de amantes
- Acabou.

Um enxugar de lágrimas
Um verso de sátira
Olhar de infantes
- Mal posso acreditar...

Um respirar profundo
Um desejo oculto
Cura de dores
- Recomeçar!