Suba a minha oração perante a vossa face como incenso, e as minhas mãos levantadas sejam como o sacrifício da tarde. {Salmos 141:2}

domingo, 22 de fevereiro de 2009

momento "prosaico" ; )


. ele teve vontade de ligar... Discou os quatro primeiros números e, após refletir um momento, recolocou o telefone no gancho. "Em castelos de cartas é melhor não tocar, muito menos realizar movimentos bruscos quando deles se está muito perto", ele deve ter pensado. Ela também sabia o que isso significava. O que fazer com o que estava querendo dizer? E o que era, afinal? Nem ele, nem ela saberiam explicar. Talvez fosse apenas o impulso de voltar aos velhos hábitos...


O telefone toca.


- Alô? Não, você ligou errado. Não, não mora aqui. De nada.


Algo toca suavemente a sua pele. É a cortina, que acaricia o solitário da noite e tenta aquecê-lo da corrente de ar frio que entra pela janela. Inútil: o solitário tem uma inclinação pela noite, pelo frio, pela melancolia. Aproxima-se, então, da fonte de vento, senta-se, abre os braços...
O que ele está fazendo? Parece desequilibrado... Será que...?


Se há realmente identificação entre os elementos da natureza e nós, seres humanos, o vento é o que mais se aproxima de minha essência. Sinto-me no vento, enrolo-me, envolvo-me e, ao fim, me perco, procurando entender de onde parti. Não me vejo como sou, consigo apenas sentir-me; assim como o vento é para nós. Meu eu é fluido, fugidio, fragmenta-se e volta a si como moléculas, adentra outros eus e traz consigo marcas indeléveis de sentimentos, imagens e cores. Muitas cores. Sobretudo as cores frias... Estas agradam-se sobremaneira. Por essa razão, a única coisa que amo no dia é o azul do céu... A noite, por sua vez, pintada de azul escuro, de preto, lilás, roxo, torna-se, paradoxalmente, a alegria do meu dia, e desperta em mim a disposição necessária para os projetos mais complexos e inescrupulosos.


Ele desceu do parapeito da janela. Agora está pensando... O que será que o perturba tanto? Eu gostaria de poder ler seus pensamentos. Gostaria que ele me olhasse... Oh, não! É melhor eu continuar aqui, de onde fico invisível... O momento certo chegará, eu sinto.


[ continua ]