Suba a minha oração perante a vossa face como incenso, e as minhas mãos levantadas sejam como o sacrifício da tarde. {Salmos 141:2}

domingo, 4 de março de 2018

As Crônicas de Nárnia e suas analogias cristãs

Neste tempo quaresmal, não poderia ter sido melhor o livro que tinha em mãos: As Crônicas de Nárnia (O Leão, A Feiticeira e O Guarda-Roupa), de C. S. Lewis. Eu já tinha assistido à adaptação para o cinema - e gostado muito -, mas não havia reparado nas analogias cristãs presentes na obra e foi com esse olhar que percorri as suas páginas.


Ele é encantador desde a dedicatória à afilhada do autor, Lucy Barfield - o que não deve ser mera coincidência com a personagem homônima, Lúcia. Lewis explica que escreveu o livro para ela, mas que o processo de escrita e edição levariam tanto tempo que ela só o teria em mãos quando já fosse crescida. No entanto, é justamente aí que o autor mesmo sugere que não se trata de leitura apenas para crianças: "um dia virá em que, muito mais velha, você voltará a ler histórias de fadas. Irá buscar este livro em alguma prateleira distante e sacudir-lhe o pó. Aí me dará sua opinião."

Eu, apesar de não ter sido chamada, darei meu humilde parecer. Nada de análise profunda ou detalhada: apenas o fruto das impressões que tive na leitura. Vou apenas identificando as associações que fiz entre os elementos da história e os do cristianismo.

Pois bem: o enredo, todos o devem conhecer, já que o filme é um sucesso. Resumidamente, Nárnia é um mundo paralelo, uma terra mágica a que quatro crianças têm acesso através de um guarda-roupa cheio de casacos de pele, em uma casa muito antiga (de um professor bastante simpático). E a primeira a descobrir a passagem secreta é Lúcia.

Ela encontra um fauno, que logo a chama de "filha de Eva". Quando o irmão Edmundo também vai a Nárnia, é chamado de "filho de Adão"; desta vez, porém, pela Feiticeira Branca, cuja maldade ele ainda não conhecia. É enganado por ela e fica "preso" pelo prazer de comer o manjar turco (um doce encantado). Essa Feiticeira possui diversas semelhanças com o diabo: reina sobre a terra sem ter direito a isso, mente, é atraente, tenta Edmundo com promessas de poder (como Jesus foi tentado no deserto)... Dois aspectos dela são principais: "É por causa de um encantamento dela que é sempre inverno em Nárnia, sempre inverno, mas o Natal nunca chega" e ela não é humana, pois descende de um lado da "primeira mulher de Adão" (Lilith, da raça dos gênios) e, por outro, dos gigantes. Pode-se pensar aqui na volta de Jesus, aguardada pelos cristãos, associada com o "Natal" (que no restante do livro não aparece) e na referência à controversa figura de Lilith (citada apenas em livros apócrifos) uma origem para a maldade da personagem e para o seu ódio contra os seres humanos.

Ora, enganado pela feiticeira, Edmundo trai seus irmãos, sofre nas mãos dela - uma vez que suas promessas são falsas - e é salvo por Aslam e seus amigos. "Aslam é o rei. É o verdadeiro Senhor dos Bosques, embora já há muito esteja ausente. Desde o tempo do meu pai e do meu avô. Agora chegou a notícia de que vai voltar. Neste momento mesmo está em Nárnia. Ele dará um jeito na Feiticeira Branca". Ele é "filho do grande Imperador de Além-Mar", "um leão... o Leão, o grande Leão!". Essa descrição nos remete novamente à segunda vinda de Jesus, que será a derrota do diabo, e ao seu famoso título de "Leão da Tribo de Judá", presentes no livro do Apocalipse: "Todavia, um dos anciãos me disse: Não chores; eis que o Leão da Tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos.” Apocalipse 5,5.


Apesar de ter sido salvo, o erro de Edmundo não poderia ficar impune. A Rainha Branca reclama o seu direito ao sangue de um traidor, conforme as leis de Nárnia; direito esse reconhecido por Aslam. Este decide, então, sacrificar a própria vida pelo pecado de Edmundo, sem que este soubesse a princípio. Aqui está, claramente, uma alusão ao sacrifício de Jesus pelos pecados da humanidade. Aslam é amarrado, ridicularizado e humilhado sem revidar nem dizer nada, a despeito de seu grande poder, tal como Cristo. E as duas irmãs, Susana e Lúcia, assistem a tudo em prantos, dilaceradas, cuidam de seu corpo inerte e assistem à sua ressurreição, qual Nossa Senhora e Maria Madalena. Eis a explicação do personagem Aslam para sua vitória sobre a morte: 

"a feiticeira pode conhecer a Magia Profunda, mas não sabe que há outra magia ainda mais profunda. O que ela sabe não vai além da aurora. Mas, se fosse capaz de ver um pouco mais longe, de penetrar na escuridão e no silêncio que reinam antes da aurora do tempo, teria aprendido outro sortilégio. Saberia que, se uma vítima voluntária, inocente de traição, fosse executada no lugar de um traidor, a mesa estalaria e a própria morte começaria a andar para trás (...)".

É como se Jesus estivesse dizendo que Ele era o Verbo que estava com o Pai desde antes da criação do mundo...

Muito ainda se poderia dizer sobre este tesouro de livro, mas, para não deixar o texto extenso demais, fico por aqui. Por coincidência, uma menina que sigo no YouTube postou um vídeo justamente sobre isso, chamado Uma Lição Quaresmal de Nárnia, e foi o que me estimulou a publicar este texto. Digam nos comentários se já leram o livro ou assistiram ao filme e se observaram essas e outras ligações com o cristianismo.