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Aula de Produção Textual em Conserva

A aula de Produção Textual Virou o treinamento de uma linha de produção Onde está a palavra, a paixão? Mero complemento Devaneio intelectual Três linhas de introdução Já está de bom grado Desenvolva o argumento 1, 2 e 3 Se tiver freguês, faça a conclusão Do seu texto pré-formatado Do seu texto que já veio enlatado Tem até o abre-fácil Aquele prefácio congelado de palavras importadas Só tome o cuidado de agitar antes de usá-las E enquanto a Palavra não vem Vamos fazendo nossos textos em conserva Até que todos os poetas sejam loucos Na sua contemplação eterna...

Os pais - Gilberto Gil

Os pais, os pais Estão preocupados demais Com medo que seus filhos caiam nas mãos dos narco-marginais! Ou então na mão dos molestadores sexuais E no entanto ao mesmo tempo são a favor das liberdades atuais! Por isso não acham nada demais Na semi-nudez de todos os carnavais E na beleza estonteante e tão natural Da moça que expressa no andar provocante A força ondulante da sua moral Amor flutuante acima do bem e do mal Os pais, os pais Estão preocupados demais Com medo que seus filhos caiam nas mãos dos narco-marginais! Ou então na mão dos molestadores sexuais E no entanto ao mesmo tempo são a favor das liberdades atuais! Por isso não podem fugir do problema Maior liberdade ou maior repressão Dilema central dessa tal de civilização Aqui no Brasil sob o sol de Ipanema Na tela do cinema transcendental Mantem-se a moral por um fio Um fio dental!

Eu - Florbela Espanca

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Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada... a dolorida... Sombra de névoa tênue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!... Sou aquela que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber por quê... Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver, E que nunca na vida me encontrou!
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Há dias em que eu me canso de mim mesma Me canso de ser eu Parece que em meu corpo Não mais cabe minh'alma Ela se aperta, se ajeita Até encontrar um meio incômodo De parecer feliz Há dias em que eu queria Engolir o sol Pra que ele não me queimasse Com seu olhar vigilante Nem me ofuscasse Com tanta luz Quando eu prefiro a escuridão Há dias em que simplesmente Não caibo em mim Aí descubro, enfim Que a poesia alargou-me o ser E que esta perturbação É a penitência dos filósofos É a santificação dos poetas.

Com licença poética - Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou:vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos — dor não é amargura. Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.

Poeta, poeta, não podes

Desarrumar as terras do mundo. Poeta, podes fazer. Arrumar sem limites de pátria! Poeta, podes fazer. Derramar azeite no mar, plantar flores no topo dos montes, plantar trigo nos vales do mundo. Poeta, podes fazer. Abrandar os tufões dos espaços, acabar com os tiranos do mundo. Poeta, podes fazer. Extinguir a palavra de Deus. afastar a Verdade da Terra. Poeta não podes fazer. Jorge de Lima

momento "prosaico" ; )

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. ele teve vontade de ligar... Discou os quatro primeiros números e, após refletir um momento, recolocou o telefone no gancho. "Em castelos de cartas é melhor não tocar, muito menos realizar movimentos bruscos quando deles se está muito perto", ele deve ter pensado. Ela também sabia o que isso significava. O que fazer com o que estava querendo dizer? E o que era, afinal? Nem ele, nem ela saberiam explicar. Talvez fosse apenas o impulso de voltar aos velhos hábitos... O telefone toca. - Alô? Não, você ligou errado. Não, não mora aqui. De nada. Algo toca suavemente a sua pele. É a cortina, que acaricia o solitário da noite e tenta aquecê-lo da corrente de ar frio que entra pela janela. Inútil: o solitário tem uma inclinação pela noite, pelo frio, pela melancolia. Aproxima-se, então, da fonte de vento, senta-se, abre os braços... O que ele está fazendo? Parece desequilibrado... Será que...? Se há realmente identificação entre os elementos da natureza e nós, seres humanos, o ve...